quinta-feira, 10 de setembro de 2009

SOBRE MENINOS E LOBOS



Nas noites que antecederam o meu aniversário de 6 anos, lembro da minha tia debruçada sobre a mesa da sala, desenhando e pintando um circuito de Fórmula 1. Lembro que todos lá em casa entraram pela madrugada fazendo as caixinhas com os nomes das equipes e dos pilotos. A minha caixinha foi a da Brabham de Nelson Piquet.

Fórmula 1 foi o tema da festa do meu aniversário de 6 anos e lembrei disso hoje ao ler a repercussão sobre a confissão de Nelsinho Piquet – ironicamente o filho de um dos grandes ídolos da minha infância – que assumiu ter provocado um acidente no GP de Cingapura de 2008, atendendo a um pedido da sua equipe (Renault) dentro de um acordo que lhe garantiria a renovação de contrato para mais uma temporada.

É até desnecessário comentar a atitude de Nelsinho no GP de Cingapura. O que me fez voltar 24 anos no tempo e me sentar em frente ao computador para escrever este texto aqui não foi a revolta com a falta de ética do jovem piloto brasileiro, nem mesmo a constatação de que, moralmente, a Fórmula 1 ruiu.

Acho que qualquer pessoa que acompanha a F-1 de perto ou até mesmo com um certo distanciamento (como é o meu caso) já está meio que anestesiado a armaçõezinhas do tipo.

Mas o que definitivamente me causou um sentimento de indignação foi a reação de grande parte das pessoas à confissão de Nelsinho. A começar pela entrevista de Rubens Barrichello. Com que cara Barrichello vem a público falar que o outro deveria sair da F-1? Como é que Rubinho tenta se posicionar como um defensor da moralidade do esporte se foi o próprio que desmoralizou a F-1 ao fazer aquela inesquecível cena na reta final do GP de Áustria de 2002, praticamente parando o seu carro para que o “companheiro” Schumacher passasse e vencesse a corrida.

Naquela manhã, eu estava diante da TV, já em pé, nervoso, torcendo, esperando o azarado Rubinho passar logo pela linha de chegada. Lembro de Cléber Machado narrando: “Hoje não! Hoje não! Hoje sim?...”. Desliguei a TV e prometi pra mim mesmo que nunca mais acordaria cedo para ver uma corrida de F-1. Não cumpri a promessa. Mas entendi o recado implícito (ou seria explícito?) de Barrichello: Ao reduzir a velocidade da sua Ferrari nos últimos metros da corrida ele mostrava ao mundo que a F-1 não era regida pelos princípios esportivos. Que a ética de um piloto era limitada pelo interesse da sua equipe ou até mesmo do seu adversário.


A história recente da categoria é repleta de comportamentos que, na essência, são iguais ao de Nelsinho.

Qual a real diferença entre uma batidinha com riscos calculados só para deixar o carro atravessado na pista e frear o carro na reta de chegada?

Para mim, nenhuma. Principalmente, porque na questão ética, o erro é o mesmo. Ambos feriram a alma do esporte em detrimento próprio para servir aos interesses da equipe, de um adversário e - claro - da sua renovaçãozinha de contrato no final da temporada.

Sinceramente, também não consigo ver tanta diferença assim entre a batida proposital de Nelsinho Piquet e as já lendárias batidas também intencionais de Senna, Prost e Schumacher - que valeram títulos mundiais para os próprios. Esses três “gênios” da F-1 abusaram do recurso de provocar acidentes para interferir no que seria o resultado natural das corridas...

E eis que, de repente, todos parecem se contagiar por um surto de moralidade ou de hipocrisia e se mostram chocados com o fato de um piloto provocar intencionalmente um acidente.

Os motivos são diferentes? Na essência, não. O objetivo em todos esses casos era o mesmo: interferir no curso natural da corrida. Não importa se em benefício próprio ou atendendo aos interesses da equipe. Não existe “ética” pela metade.

Assim, nesta triste história de corrupção moral e financeira, me parece ainda mais condenável a hipocrisia de Barrichello e tantos outros.

Isto sim ainda parece capaz de chocar até os mais anestesiados pela falta de princípios esportivos da F-1.

Fred Figueiroa, 10 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

COMO NASCEU A RIVALIDADE


Fred Figueiroa (Diario de Pernambuco - 6 de setembro de 2009)


O zagueiro argentino Batagliero estava com a perna fraturada. Ainda assim, foi levado ao estádio Monumental de Nuñes na tarde do dia 10 de fevereiro de 1946. Deitado numa maca, ele foi conduzido pelo gramado, enquanto os 80 mil torcedores bradavam gritos de fúria. Batagilero sofreu a grave lesão três meses antes, em um choque com o brasileiro Ademir Menezes numa partida válida pela tradicional Copa Roca, disputada em São Januário e vencida pelo Brasil numa histórica goleada de 6 x 2. Aquela cena dantesca do jogador com sua perna fraturada sendo exibido para os torcedores furiosos marcava o início de um jogo que mudaria para sempre os rumos das duas seleções e, consequentemente, do futebol mundial.

Naquela noite, naquele estádio, Argentina e Brasil disputariam a final da Copa América - no 30º e mais violento duelo entre as duas seleções. Mas ninguém imaginava que ali chegaria ao fim uma era do esporte sul-americano. Terminava a Era da inocência. A Era da cordialidade. E, sobretudo, a Era da superioridade do futebol argentino sobe o brasileiro.

Os relatos históricos sobre a batalha campal na final da Copa América de 1946 subestimam a influência daquela partida para o futuro e o desenvolvimento do futebol das duas seleções. As conseqüências daquele jogo são fundamentais para entender porque a rivalidade entre os dois países se tornou tão extrema e, numa análise mais detalhada, porque o Brasil - que fez sua primeira partida oficial doze anos depois da Argentina e tinha bem menos qualidade técnica, experiência e estrutura - conseguiu conquistar a primeira Copa do Mundo 20 anos antes dos argentinos vencerem o primeiro mundial (em 1978, quando o Brasil já era tricampeão).

Não seria apenas mais um jogo de futebol. Isto já estava claro. Se na primeira viagem do Brasil à Buenos Aires em 1914, a Seleção foi recebida com flores e banquetes; na terceira em 1920, um jornal local publicou uma charge desenhando os brasileiros como macacos. Assim, fica claro que a rivalidade entre as duas seleções já existia em 1946 - ainda que discreta, natural pela proximidadegeográfica e disputa pela liderança política e econômica do continente. Mas a perna quebrada de Batagliero e a goleada por 6 x 2 no jogo anterior (a maior sofrida até então pelo país) foram transformadas em munição para uma guerra moral. Os argentinos encaravam a final da Copa América como uma questão de honra nacional. A sede de revanche e de vingança estava explícita no comportamento da torcida nas arquibancadas do Monumental de Nuñes - enquanto o zagueiro machucado era carregado como um herói de guerra.

E o pior aconteceu aos 28 minutos do 1º tempo quando, numa dura dividida com o brasileiro Jair, o zagueiro, capitão e ídolo argentino Sálomon sofreu uma fratura dupla na tíbia e perônio (tão grave que ele jamais voltou a jogar pela seleção). O clima que já era tenso transformou o jogo numa verdadeira batalha campal. Os brasileiros tentaram fugir para o vestiário, mas nem todos conseguiram. Os que ficaram no gramado foram espancados por jogadores, soldados montados a cavalo e até torcedores (estima-se que,pelo menos, 500 invadiram o campo). Foram 70 minutos de paralisação, até que a polícia argentina obrigou que o Brasil voltasse para o jogo - ameaçando não fazer a segurança em caso de uma desistência. A partida seguiu com socos, pontapés, cotoveladas e ameaças. No primeiro lance, Ademir Menezes foi nocauteado com um soco na nuca. O Brasil sentiu e Argentina não teve dificuldade para vencer por 2 x 0.

A Guerra Fria


Mas a verdade é que a batalha 1946 nunca terminou. Depois daquela noite, as federações do Brasil e da Argentina cortaram relações. E as duas seleções passaram 10 anos sem se enfrentar. Uma década em que o ódio impedia não apenas o encontro, como qualquer aproximação entre as seleções.Uma verdadeira "guerra fria" que interferiu direta e indiretamente no cenário da época e na construção da história do futebol. A Argentina, por exemplo, se recusou a disputar duas edições da Copa América (em 1949 no Brasil e em 1953 no Peru) e até mesmo duas Copas do Mundo. A de 1950, por ser realizada no Brasil, e ade 1954 pelos vários problemas políticos decorrentes do rompimento com a CBD. Uma poderosa geração do futebol argentino se perdeu já que o país passou 24 anos sem disputar uma Copa.

O rompimento também fez com que o Brasil ficasse de fora de duas edições da Copa América, em 1947 (no Equador) e em 1955 (no Uruguai). Mas esta década sem clássico foi inversamente proporcional para os dois países. Até o dia 10 de fevereiro de 1946, a Seleção Brasileira havia feito 92 jogos oficiais, enquanto a Argentina já havia disputado 245 partidas. Existia um abismo estrutural e de experiência internacional entre o futebol dos dois vizinhos sul-americanos. Naquele ano, a Argentina já conquistava a sua 9ª Copa América enquanto o Brasil tinha apenas dois títulos sul-americanos (o Uruguai tinha 8). No confronto direto, a Argentina tinha o dobro de vitórias (18 x 9).

Pelo cenário da época, não é errado afirmar que - se não houvesse o rompimento em 1946 - a Argentina inevitavelmente teria ampliado esta superioridade sobre o Brasil. Mas a década sem clássicos foi extremamente nociva para o futebol do nosso maior rival. Para se ter uma ideia, neste intervalo de 10 anos, a Seleção Brasileira disputou 49 jogos e a Argentina apenas 26. Mas observando os resultados, fica claro que eles possuíam equipes mais fortes. Das 26 partidas disputadas, os argentinos venceram 20 e perderam apenas duas (amistosos contra a Inglaterra em Londres e Itália em Roma). Contra adversários sul-americanos, foram 18 confrontos e nenhuma derrota. Disputaram apenas duas edições da Copa América e foram campeões.

Já nos 49 jogos disputados pelo Brasil naquela década, a seleção ganhou 31 e perdeu nove vezes - sendo oito para adversários sul-americanos (5 derrotas para o Uruguai, duas para o Paraguai e uma para o Peru). A outra derrota foi para a Hungria na Copa do Mundo de 1954. Dois Sul-americanos que disputou, conquistou um, jogando em casa. Das duas Copas do Mundo, chegou a uma final, também em casa, e cujo final da história todos sabem.

O reencontro


No dia 5 de fevereiro de 1956, a história do clássico Brasil x Argentina voltou a ser escrita. O 31º jogo - dez anos depois - aconteceu no estádio Centenário de Montevidéo durante a Copa América. Os dois países já não eram os mesmos As duas seleções já não eram as mesmas. O Brasil mudara até mesmo a cor da camisa, trocando o branco pelo amarelo - mas, principalmente, era um time amadurecido, experiente e dali por diante, motivado pela rivalidade que, a partir de 1946, excederia os limites e as razões do esporte. Rivalidade que não raras às vezes - e com certa razão - foi chamada de guerra, funcionando como reflexo e escape para conflito sociológicos, culturais e econômicos. Em alguns momentos, se confundindo com o ódio - gerando episódios de extrema violência e preconceito racial.

As intimidações passaram a ser freqüentes. Quase como uma tática de jogo utilizada pelos dois lados. O jornalista Newton Cesar de Oliveira Santos, que acaba de lançar um livro de 616 páginas "Brasil x Argentina- Histórias do maior clássicodo futebol mundial (1908-2008)" fez uma vasta pesquisa sobre todos os jogos já disputados entre as duas seleções e chegou a conclusão que em 50% deles houve brigas, agressões e expulsões.

Voltando ao jogo do reencontro, a vitória por 1 x 0 da agora seleção canarinha iniciava a 2ª fase desta história. A Era da superioridade brasileira. Se nos primeiros 30 duelos, a vantagem da Argentina era de 18 x 9. Nos 30 jogos seguintes, foram quatro vitórias a mais para os brasileiros (14 x 10). Mas aquela diferença de 9 jogos nos confrontos diretos (estabelecida até 1946) ainda demorou longos 60 anos para ser tirada.


RIVALIDADE EM NÚMEROS

Antes do rompimento

Partidas oficiais disputadas:

Argentina - 246
Brasil - 93
Confronto diretos
Argentina 18 x 9 Brasil
Copa América
Argentina - 9 títulos
Brasil - 2

A guerra fria (1946- 1956)

Jogos contra outros adversários
Argentina - 26 (20 v/ 4 e / 2 d)
Brasil - 49 (31 v / 9 e / 9 d)

Copa América

1947 - Argentina campeã / Brasil não disputou
1949 - Brasil campeão / Argentina não disputou
1953 - Brasil vice / Argentina não disputou
1955 - Argentina campeã / Brasil não disputou

Copa do Mundo

1950 - Brasil vice-campeão / Argentina não disputou
1954 - Brasil / Argentina não disputou

Pós-guerra fria

Confrontos Direto (Vitórias)
Brasil 27 x 15 Argentina
Copa América
Brasil 6 títulos
Argentina 5 títulos
Copa do Mundo
Brasil 5 títulos
Argentina 2 títulos
Copa das Confederações
Brasil - 3 títulos
Argentina- 0

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A PRIMEIRA REPORTAGEM


Em julho de 2002 me formei em jornalismo.
Tempo em que os jornais tinham mais páginas e os leitores mais paciência para ler textos que iam bem além dos 140 caracteres.

Hoje, em um surto de paciência e nostalgia, reli a primeira reportagem que assinei como jornalista profissional.
Uma reportagem sobre a sofrida viagem do Íbis até Itacuruba, no Sertão de Pernambuco, para a decisão da Série A2 do Campeonato Estadual.

Para quem tiver paciência, aí vão trechos da reportagem com os links para as matérias na íntegra:


A SAGA DE UM PERDEDOR
"Porém, esta história de mais uma entre tantas derrotas do folclórico clube pernambucano não será resumida em noventa minutos de futebol e muito menos ridicularizada como de costume. Desta vez, a equipe de reportagem do DIARIO acompanhou todos os momentos que antecederam e sucederam à decisão da segunda divisão do Campeonato Pernambucano ao lado da delegação do Íbis. Foram 44 horas ao lado dos jogadores, percorrendo mais de mil quilômetros de estrada, numa verdadeira viagem à realidade do futebol brasileiro. Afinal, deixando o folclore de lado, o Íbis é apenas mais um entre milhares de clubes pobres, cuja camisa veste a esperança de homens humildes, sacrificados e sonhadores. Brasileiros que por ilusão, ou mesmo por falta de outra opção, escolheram o futebol para tentar mudar de vida, mas por enquanto foram derrotados por ele"

Texto completo:
http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_0.html

A VIAGEM
"O veículo era um Volvo 1986, que segundo o motorista Marcos, "ainda é uma moça". Assim, a moça de Marcos deixou o Alto da Vila da Fábrica, em Camaragibe - atual sede do clube - levando 33 passageiros. Além dos 18 jogadores, dos cinco integrantes da comissão técnica e da nossa equipe de reportagem, havia ainda o chefe da delegação e a sua esposa, dois garotos amigos do grupo, dois estudantes que aproveitaram a carona para ir até Belém de São Francisco e o delegado do jogo da Federação Pernambucana, Arnaldo, que também pegou uma carona com o Pássaro Preto.Antes de deixar o Recife, todos pararam para almoçar e em menos de uma hora devoraram nove galetos completos e 18 litros de refrigerante"

Texto completo: http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_1.html

OS JOGADORES
...Marcone tem o perfil da imensa maioria dos jogadores de futebol brasileiros. Por trás do estilo boleiro - da forma de falar, do jeito de se vestir e de andar copiados dos craques milionários e consagrados - está um garoto de 21 anos, pobre, que cresceu longe das salas de aula no bairro de Caetés 1, em Paulista, e que via o futebol como um conto de fadas, que lhe traria fortuna, fama e felicidade. Porém, o pouco do que conheceu no futebol, deixou-o descrente, quase sem esperanças. "Somos só um produto e nem temos uma vitrine para sermos mostrados. É como em um supermercado, somos aqueles produtos que ficam na prateleira debaixo, que ninguém vê, e ali ficamos esquecidos"

Texto completo: http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_2.html

O CARONA
...Era chegada a hora. Às 13h30, o ônibus deixa Floresta em direção a Itacuruba, numa viagem curta de 32 km. Logo na saída, uma parada no posto de gasolina para comprar gelo. No posto, o plantador de cebolas João Batista pede uma carona até o campo e, mesmo declarando que iria torcer para o Itacuruba, é aceito no ônibus e viaja sentado ao lado do capitão do time, Zé Carlos. A cena é inusitada para um time de futebol profissional: os jogadores em silêncio, concentrados, olhando os pássaros pretos sobrevoarem a estrada como se estivessem saudando o irmão mais famoso, e João falando o tempo todo, da plantação de cebolas, do dia em que tomou banho de mar em Boa Viagem...

Texto completo: http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_3.html

A DERROTA
...O futebol mais uma vez derrotava os sonhos de 18 jogadores. Sentados na grama, eles assistiam à festa dos adversários e a queima dos fogos de artifícios, enquanto o presidente do clube tentava levantar o moral de cada um, garantindo que o trabalho seria mantido e que contava com todos para o futuro do Íbis. Mas não era esse o futuro que eles queriam.

Texto completo: http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_4.html

A DESPEDIDA
Às seis da manhã, o ônibus já estava no Recife e a maioria dos jogadores preferiu descer na avenida Caxangá, onde era mais fácil para voltarem às suas casas. Despediram-se rapidamente, juntaram os trocados para a passagem, colocaram a pequena bagagem embaixo do braço e desceram na parada de ônibus. Dali pra frente, cada um seguiria seu caminho, junto com outros trabalhadores comuns que estavam começando mais um dia de trabalho. Mas, aqueles 18 jogadores do Íbis que durante sete meses se sacrificaram para tentar realizar o mesmo sonho, chegavam ao final de uma longa jornada de trabalho, numa história verdadeira, daquelas que nem sempre acabam com final feliz.

Texto completo: http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_5.html